segunda-feira, 19 de julho de 2010

Viagem

Caminhando sem pensar, você pode viajar. Pode não ir muito longe em um plano físico, mas num plano mental e espiritual, pode-se ir e voltar de Paris em trinta segundos.
Agora, por exemplo, esqueça sua vida, suas aflições e vontades. Apenas leia! Leia e somente leia este texto que vos redijo.

Imagine uma ponte. Larga, porém não muito extensa. Ela corta um riozinho ralo, como muitas pedras. Sua água é cristalina e você consegue ver a areia fina no seu solo.

Esta ponte é branca e de madeira, meio velha, mas ainda muito bonita.

Você está apoiado bem no meio da ponte, observando o rio. Respirando. Não se preocupa com nada, mesmo porque tudo que poderia se preocupar não lhe vem à cabeça com tamanha beleza que está adiante. Quando você olha para o bosque que tem ao redor do rio, enxerga uma menina.

Ela é linda. Com um rosto pálido, branco como um lençol, com os olhos assustados e um cabelo preto ondulado. Aparenta ter uns seis anos. Ela usa um vestido não muito armado, azul anil e sapatos brancos, com meias da mesma cor dos sapatos. O vestido é de manga comprida , com um babado nas pontas e cobre até um pouco mais dos joelhos; e as canelas se mostram até o começo a meia, mais ou menos no início dos tornozelos. Ela te olha. Te olha e você começa a olhá-la também.

De repente, ela abaixa a cabeça, se vira e começa a correr. Você não entende e corre atrás dela. Não sabe direito o porquê. Ela não lhe deve nada, você não deve nada a ela, aliás ninguém deve nada a ninguém. Mas você a segue. E quando percebe que ela não está mais a sua vista. Você não consegue vê-la mais.

O que não percebe é que está num jardim de tulipas. Lindo. Consegue ver tulipas de todas as cores. E se encanta tanto com aquilo que se esquece de como fora parar ali. Ao fundo, avista uma casa branca, com venezianas amarelas. Está um dia lindo. Um sol forte num céu azul nunca visto antes e você pensa como deve ser bom morar numa casa graciosa como aquela, ainda mais com um jardim esplêndido. Você caminha e chega até a casa.

Quando entra, anuncia sua chegada: "Olá? Tem alguém em casa?", mas não ouve nenhum ruído, muito menos uma resposta. A porta da frente dava para uma sala de estar toda em salmão. Com estofados da mesma cor, numa tonalidade mais clara. Avista um quadro abstrato gigante na parede, com cores parecidas. E começa a admirá-lo.

De repente tudo fica escuro. Você não está mais no mesmo lugar. Este agora é sujo, úmido, asqueroso. Iluminado apenas por uma lâmpada distante. Você não gosta dele. Mas vai em direção a lâmpada, para ver se encontra saída. Mas encontra um depósito.

O cheiro lá é insuportável, uma mistura horrorosa de mofo, urina e estrume.

Sem explicação, a luz se apaga; e você sente as paredes ficarem cada vez mais estreitas. Está apertado, muito apertado. Começa a ficar desconfortável, extremamente desconfortável. Você pede socorro, mas ninguém te escuta. Você tenta sair, mas não consegue. Então grita. Grita, grita e chora.

Até que acorda na segurança do seu quarto e vê que tudo não passou de um sonho, uma viagem.

Yara Wessler

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